segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Virose


Sabadão a noite, enquanto meus sobrinhos se pegam na sala  e minha paciência vai se esvaindo, meu lap top movido a lenha baixa uma musica do Yes, caço algo pra fazer e lembro que prometi ao meu amigo Rogenski um texto descompromissado sobre qualquer coisa não romântica.
Decidindo o tema, meu chefe? A crise econômica? A semana de moda de Milão? A volta de Ronaldinho aos gramados? Minha sogra? Acabo de lembrar que não tenho sogra, o que vai ser então? Já sei, a virose, ainda estou sob efeito de uma que nasceu no último final de semana então vai ser sobre ela mesmo, vamos ver no que dá.
Domingo passado enquanto voltava de um passeio de moto, ouvi um barulho estranho, será algum problema no motor, pensei? Não, era só meu estomâgo reclamando, em seguida um mal estar estranho, comecei a suar, de repente ficar em pé ficou difícil, cheguei em casa, encostei a moto e nessa altura já parecia a garota da camiseta molhada. Subi, o capacete pesando uma tonelada no meu braço, o buraco da fechadura não parava de mudar de lugar mas consegui abrir a porta assim mesmo. Ufa, nunca foi tão bom chegar em casa.
Um banho e começaram as contrações no meu estômago, de repente as refeições entraram em desacordo lá dentro e quando percebi  lá estava eu, quase que involuntariamente enlaçando o vaso em  um abraço apaixonado, devolvendo tudo que havia ingerido nos últimos 15 anos. 
Pensei que após isso fosse ficar bem, mas aí veio a moleza, o peso do corpo ficou demais para as pernas, mas felizmente ainda havia as mãos, de gatinhas cheguei na cama que de repente parecia tão alta, escalei-a e passei as próximas horas abraçado aos joelhos com os olhos esbugalhados e com a pele estranhamente verde.
Acordei na segunda feira, pensando em quem teria molhado minha cama toda, comer qualquer coisa seria impossível mesmo, ficar em casa refletindo sobre o que estava acontecendo em meu corpo também não me atraía, resolvi ir trabalhar. Dentro do metro descobri que meu estomâgo traidor havia passado algo adiante e que esse algo urgia em sair e só havia uma outra saída. Olhos esbugalhados, esfíncter travado, torcendo para não acontecer nenhum acidente, cheguei à empresa dando primeiro bom dia ao lado de trás da maçaneta da porta do banheiro.
Com movimentos bem vagarosos, olhos arregalados, pernas tremendo, sentei em frente ao computador olhando o nada e aventando hipóteses.  O hot dog de sábado, a costelinha de porco com polenta no domingo, quem seria a responsável pela maldade que estava acontecendo comigo? Uma colega daquelas que há em todas as empresas, detentora de dons médicos, mediúnicos e que se deixar tomam conta de sua vida decretou: -É virose! Citando é claro, 14 casos idênticos para embasar o veredicto.
Virose, essa maravilha da medicina moderna criada para explicar tudo que não tem explicação,  ficou bem fácil para os médicos, todo e qualquer problema só tem duas terminações, na ausência de diarréia ou vômito é “estress” na presença de qualquer um dos dois, “virose”. Soro, um remedinho qualquer pra enganar o freguês e em 5 ou 6 dias o corpo se vira para estar bom novamente. Queria eu ter uma desculpa dessa, já imaginou? Você não bate a meta de vendas do mês, seu chefe vem com cara feia e você diz tranquilamente: -É virose; e ele automaticamente fica impedido de qualquer reclamação sobre seu desempenho. Não seria simplesmente mágico? Acho que vou propor algo nesse sentido na próxima reunião do Conselho Regional de Administração.
Bem conjecturas a parte, fato é que a cada próxima refeição, digerir se tornou um ato de heroísmo e descobri habilidades inatas do meu estomago como bateria de escola de samba.
Resisti ao dia e após uma boa noite de sono acordei no dia seguinte me sentindo ótimo,  com aquela sensação de que o mundo é maravilhoso e todos os problemas por pior que sejam ficam pequenos para a enorme força que emana do sobrevivente.
Comemorar com uma pizza acredito que tenha sido um erro e no dia seguinte lá estava eu novamente repetindo a cena de paixão incontrolável com o vaso, preciso lembrar de qualquer hora enviar flores ao menos para ele...
Bem, toda experiência é um aprendizado e essa semana aprendi muitas coisas interessantes, limites do corpo, como um esfíncter pode ser forte, andar de quatro, nunca comemorar partida de doenças com pizzas e sobretudo que apesar de aparentemente não haver nenhum sentido prático na virose você pode perder mais peso em uma semana de virose do que em uma semana de academia.
Paro por aqui pois está começando a novela e esses indianos estão cada vez mais interessantes.
(escrito em 23/09/09 a Novela referida em questão é  Caminho das Índias)

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