Já estou chegando na idade que os mais jovens começam a
tirar sarro, achar quadrado, e tenho alguns amigos que quando a conversa entra na
questão idade, se sentem mal. Eu parei pra pensar no assunto, formar minha
opinião sobre, e cheguei à conclusão que não me sinto mal com o peso dos anos,
nasci em uma época de mudanças muito interessantes parodiando um livro de Eric
Hobsbawn eu diria que minha jornada até aqui pode ser intitulada como “Tempos
Interessantes”.
Nasci na longínqua década de 70, mas o que posso contar como
experiência que vi já como ser pensante é a partir de 88 / 89, a ditadura tinha acabado
de morrer e nela não se falava, mas ainda tinha como filhote o medo que as
pessoas tinham de se expressar, as músicas que continham palavrão recebiam um
sinal sonoro em cima quando tocavam nas rádios.
Não existia a internet, então o que a garotada tinha de
acesso à pornografia era só através das revistinhas de fotonovelas compradas
por alguém mais velho da turma, ou então na Sexta Sexy ou no Cine Privê da rede
Bandeirantes de TV, respectivamente na sexta e sábado depois da meia noite e
olha que só aparecia um peitinho e a garotada já achava uma festa.
A TV era muito chata, programação limitadíssima, os desenhos
eram medíocres, então poucas crianças perdiam tempo com eles, o negocio era ir
à escola e pensar qual ia ser a brincadeira da tarde, que acontecia na rua, com
outras crianças, sem o acompanhamento de nenhum adulto, na verdade a gente
sumia e as mães só sabiam que estávamos vivos quando aparecíamos para as
refeições, no máximo alguma preocupada dava um grito na janela de quando em
quando para ver onde as crianças brincavam, durante o dia era taco, futebol,
bolinha de gude, pião, pipa e, a noite,
quando as crianças voltavam para a rua depois do banho e janta, as
brincadeiras eram mais amenas, esconde-esconde, passa anel, berlinda, e aí se
formavam muitos casaizinhos. Vídeo game foi uma revolução que eu nem cheguei a
acompanhar porque quando eu era adolescente foi lançado o Atari, mas não
cheguei a me interessar muito por ele, logo não acompanhei também o que veio
depois, gostava apenas de jogar naquelas maquinas de fliperama que se botavam
fichas de metal, a carteirinha de moedas da minha mãe foi assaltada muitas
vezes para esse fim.
Música ainda era no vinil, e caro, poucos tinham acesso aos
discos, então o negócio era gravar em fita cassete diretamente do rádio, era
super descolado levar uma fita sua
personalizada para tocar na casa dos amigos, essa época o rock nacional
produzia muita coisa boa, estavam estourando: o Ultrage a Rigor, Biquíni
Cavadão, Blitz, Ira, logo depois viriam os Paralamas do Sucesso, Legião Urbana,
Capital Inicial e os Titãs, que chegaram trazendo um rock mais pesado, fazendo
muita gente pesquisar o gênero, lá fora rolavam os clássicos que até hoje são
clássicos, Beatles, Stones, Deep Purple, Led Zeppelin, AC/DC, Aerosmith. No final dos anos 90 chegou a
Dance Music, encerrando a era Disco da qual eu pouco participei, os pioneiros
Snap, Technotronic, Information Society,
C+C Music Factory e logo uma enxurrada que não lembro mais os nomes faziam a
cabeça da garotada que ia para os bailes nos colégios ou nas primeiras
danceterias, que além do noturno ofereciam também matinês para a galera mais
jovem. O curioso é que nesses lugares se ia exclusivamente para dançar, só uma
ou outra tinha bar e as cenas das pessoas caindo de bêbadas tão comuns hoje
eram raras, uma outra diferença que lembro era o horário, as pessoas saiam para
dançar as oito e pouco depois da meia noite as casas fechavam, os bailes
encerravam. Os relacionamentos também eram um pouco diferentes dos atuais, o
ficar não existia, então você podia até conhecer uma garota em um baile, mas ia
namorar com ela pelo menos algumas semanas ou em alguns casos, para sempre.
Quando tinha 14 anos ganhei em um sorteio de supermercado o
meu primeiro toca CD, que era um aparelho à parte, conectado ao Três-em-um, um
aparelho que tinha esse nome por tocar vinis, cassetes e rádio, o primeiro CD
que comprei foi o Daniel na cova dos Leões, da Legião Urbana e depois foram
muitos, tenho mais de 200 cds.
Mais dois anos e chegou o computador, primeiro tive contato
na escola, estava então no colegial, hoje chamado ensino médio, depois meu pai
comprou um para nós, mesmo assim era lerdíssimo e a Internet só viria a se
popularizar anos depois. Com linha discada, vídeo era impensável, mesmo uma
foto demorava alguns minutos para carregar nos modens de 56k que faziam um
barulhinho bem característico ao conectar, a gente dizia que era uma panela de
pressão e um gato.
Em 1996 entrei para a faculdade e no mesmo ano comecei a
trabalhar, a infância acabava de vez, um pouquinho antes acontecia um fato que
também vale destacar já que a garotada de hoje não faz a menor idéia de como
era conviver com isso, após o governo militar que encerrou lá no começo dos
anos 80, ainda assim só em 89 que tivemos a primeira eleição direta para
presidente, deixou o saldo da hiperinflação,
os preços subiam todos os dias praticamente, as pessoas tinham que
receber o salário e correr para comprar tudo que precisavam pois no mês
seguinte as mesmas coisas já estariam 80% mais caras, era uma loucura, tinha
que haver uma despensa enorme em casa e até carne se comprava e congelava para
um mês todo, só em 1994 o Plano Real deu fim a essa insanidade, tornando a
moeda no mesmo patamar do dólar e depois sofrendo pequenas desvalorizações até
chegar no patamar que é hoje.
Os automóveis também merecem uma menção especial na minha
história, é incrível como a indústria se
desenvolveu e como o perfil do consumidor mudou, o sonho de todo garoto dessa
época era o Chevrolet Opala 6cc ou o Ford Maverick. Os primeiros carros a que
tive acesso eram os Volkswagen, naquela época (1993/1994) o sucesso era o gol,
e o interessante é que eram carros extremamente desconfortáveis, porém com
grandes motores, o que fazia a cabeça da garotada era acelerar. Conforto era
frescura: ar condicionado, travas, direção hidráulica, isso era coisa de velho,
mas os motores 1.8 e 2.0 usados então, levavam os bólidos aos 200km/h
facilmente, e não havia os malditos radares fotográficos, então multa era só se
o guarda pegasse você. Lembro de um golzinho 1.8 de 1991 que foi o primeiro que
meu pai liberava pra mim após a habilitação, eu passava de segunda para
terceira marcha a 80km por hora e o esporte favorito era ver o ponteiro do
velocímetro cruzar a marca dos 200/h, tarefa impensável nos nossos confortáveis
1.0 com ar condicionado, direção hidráulica, vidros e travas elétricas atuais.
Outra revolução que eu vi desde o nascimento foi o celular,
diz a historia que o primeiro celular no Brasil começou a operar em 1990, mas
até 1996 era para muito poucos, só havia a Telesp como operadora, uma linha
custava três mil reais, o serviço também era caríssimo e só com a chegada da
BCP, hoje Claro, em 1998 que o celular
se popularizou, mesmo assim os aparelhos eram enormes, pesados e só realizavam chamadas
e mensagens de texto. Nem é preciso dizer quanta coisa vi mudar neste campo.
E finalmente a grande invenção que separou a historia em
antes e depois dela: a internet em banda larga, sua popularização começou nos
idos de 2003 / 2004 e de lá para cá foi uma explosão, todo mundo se tornou
dependente, e aí vieram as redes sociais, e depois a internet se juntou com os
celulares e então nada mais foi igual. Hoje
onde olho tem alguém jogando, assistindo, navegando ou trocando mensagens no
celular, as pessoas já quase nem olham mais para o lado, hipnotizadas pelo
aparelhinho mágico.
Bom? Ruim? Não sei ainda definir, nem quero ser conclusivo,
mesmo porque espero viver ainda mais um pouquinho, mas posso dizer que gostei
de ver toda essa revolução acontecer, entender de onde tudo partiu, participar
dela, isso definitivamente não faz me sentir velho, me sinto privilegiado e
curioso com o que ainda virá.